Uma hora é um livro novo, outra hora uma declaração
política. Teorias e conspirações envolvendo a maçonaria, uma sociedade que
sempre teve sua aura de mistério, povoam desde ficções best-sellers como
"O Símbolo Perdido", de Dan Brown, até a campanha eleitoral
brasileira. Neste ano, aliás, já foram dois os momentos em que os maçons foram
trazidos para o debate. Primeiro com o candidato Cabo Daciolo, do Patriota, que
enxerga na sociedade uma de suas inimigas - diz que vai eliminá-la do Brasil.
E, nesta semana, com o atentado contra o candidato Jair Bolsonaro, do PSL: o
homem acusado de ser o agressor também seria um crítico da maçonaria - em
textos publicados nas redes sociais, ele teceu ilações entre políticos e
problemas sociais do País e a sociedade.
Mas o que é a
maçonaria, afinal? Com cerca de 170 mil membros no Brasil, trata-se de uma
sociedade outrora secreta, de caráter filosófico e filantrópico. Seus
integrantes defendem os princípios da liberdade, da democracia, da igualdade e
da fraternidade, além de serem entusiastas do aperfeiçoamento intelectual.
Calcula-se que haja 3,6 milhões de maçons no mundo.
Pedreiros
Sua origem remonta à
Idade Média, quando as profissões se agrupavam em corporações de ofício - as
chamadas guildas. Os pedreiros ou construtores, com o conhecimento herdado das
técnicas romanas e gregas, se organizaram em um desses grupos. E, por uma questão
de sobrevivência frente a uma possível concorrência, eles guardavam os segredos
da construção civil, temerosos de que as técnicas caíssem em domínio público.
Então o grupo nasceu
assim: como uma maneira de garantir a hegemonia do conhecimento e, ao mesmo
tempo, possibilitar um intercâmbio de informações entre essa confraria de
construtores. Aos poucos, outros temas foram introduzidos nas conversas. O que
eram apenas convescotes laborais, portanto, foram ganhando importância em
termos de debate.
Como sociedade
filosófica e filantrópica, a maçonaria foi fundada em 24 de junho de 1717, na
Inglaterra. Foi ideia de dois pastores protestantes, James Anderson e J. T.
Desaguliers, alinhados com os princípios do livre pensamento que nortearam o
movimento conhecido como iluminismo.
O poder veio nos
Estados Unidos. Ali, os maçons tiveram participação importante na Independência
americana e, não à toa, dos 55 signatários da Declaração de Independência, nove
vinham da maçonaria. Dos 39 que aprovaram a Constituição, 13 eram maçons. Benjamin
Flanklin era maçom. George Washington, o primeiro presidente americano, também.
Na virada do século 18 para o século 19, a maçonaria era um 'clube' que reunia
as mentes mais influentes e antenadas do planeta. Os maçons também
influenciaram a Revolução Francesa - conta-se que a Marselhesa, hino da França,
foi composta na loja maçônica de Marselha.
Na América do Sul,
não foi diferente. Conforme estudos do pesquisador inglês Andrew Pescott, autor
de "A História da Maçonaria da Marca", a sociedade participou dos
processos de independência de todos os países sul-americanos. Na lista dos
ilustres maçons libertadores, estão o venezuelano Simon Bolívar, o argentino
José de San Martín e o chileno Bernardo O'Higgins. Além, é claro, de D. Pedro
1º.
"A maçonaria influenciou
o processo de independência e, depois do Sete de Setembro, reuniões em lojas
maçônicas pediam ajuda aos irmãos para que D. Pedro fosse reconhecido como
imperador constitucional do Brasil", afirma o historiador Paulo Rezzutti,
autor da biografia D. Pedro - A História Não
Contada.
A maçonaria
brasileira nomeou Pedro 1º grão-mestre da sociedade. E ele assumiu o cognome de
Guatimozin - nome dado pelos cronistas espanhóis ao último imperador asteca. Não foi só a
Independência. A República também veio por meio de um maçom, Marechal Deodoro
da Fonseca.
Conspirações
O terreno fértil para
conspirações tem dois motivos: o fato de a maçonaria ser uma sociedade
exclusiva, ou seja, um clube onde só entram convidados e cujas reuniões são a
portas fechadas, suscita especulações; ao mesmo tempo, tantos poderosos
historicamente já fizeram parte da sociedade, ingrediente que alimenta o
imaginário público.
Dessa junção de
fatores vem a teoria mais famosa atribuída à maçonaria, a tal Nova Ordem
Mundial propagada pelo candidato Daciolo. De acordo com essa lenda, seria um
plano para que o mundo tivesse um governo único, planejado e comandado por
maçons. Na prática, não faz sentido: nem as lojas maçônicas são únicas, do
ponto de vista organizacional; cada casa é independente e abriga confrades com
pontos de vista diferentes.
A Confederação
Maçônica Brasileira (Comab) esforça-se para combater os mitos acerca da
sociedade. Segundo a organização, os maçons não são anticatólicos, tampouco
"racistas e elitistas", como muitos acreditam.
"Quanto ao
racismo, a maçonaria estabelece explicitamente a igualdade entre os homens sem
considerar raça, credo ou cor. Se considerarmos que apenas são convidados a
participar da maçonaria homens virtuosos e representantes da sociedade, pode-se
dizer que ela é uma elite, embora o correto seja afirmar que ela impõe
critérios rigorosos para a iniciação de um novo membro", frisa a
Confederação.
Ingresso
Para se tornar um
maçom é preciso receber um convite ou se candidatar - hoje em dia, as
associações maçônicas costumam disponibilizar formulários de interesse nos seus
sites. A sociedade só permite homens maiores de idade, com endereço fixo e
renda própria. Ter religião não é obrigatório, mas é preciso acreditar em Deus.
Se o sujeito for casado, tem de contar com a anuência da família. O iniciante passa por
uma avaliação que pode durar até um ano.
"Tenha
paciência. Esse processo pode demorar algum tempo e nós precisamos ter certeza
de que você será um elemento útil à nossa Instituição, assim como você também
deverá ter certeza de que sua decisão será benéfica para você e sua
família", informa a Grande Loja Maçônica do Estado do Rio de Janeiro, em
recado aos interessados.
Tudo pode ser
investigado: vida financeira, ficha policial, círculo de amizades, relações de
trabalho. O nome é submetido aos outros membros e o candidato precisa ser
aprovado por unanimidade.
Uma vez dentro, o
novato precisa fazer o pacto de silêncio. Ou seja: nada do que é conversado ali
dentro pode ser divulgado. Os maçons costumam fazer trabalhos voluntários em
instituições filantrópicas e também se ajudam uns aos outros em caso de
necessidade.
Historiadora da
Universidade de São Paulo, Solange Ferraz de Lima conta que se surpreendeu com
essa rede maçom quando estudou a vida e a obra do pintor e decorador italiano
Oreste Sercelli. Ela percebeu que ele conseguiu rapidamente destaque nos
círculos sociais brasileiros, tão logo chegou ao País. Logo, encontrou a
explicação: ele era ligado à maçonaria - e, portanto, contava com o apoio dos
confrades.
"A história da
maçonaria é bem interessante. É impressionante como eles estão presentes em
tudo", afirma a historiadora. "Eles têm essa capacidade de articular,
é uma rede muito poderosa. Mas, curiosamente, não é muito estudada - porque eles
são muito fechados." É uma irmandade. E
exclusivamente masculina. Mulheres e filhos são bem-vindos nos trabalhos
sociais e eventos festivos - nunca nas reuniões ordinárias.
Apesar de todas essas
regras e esse imaginário, acredita-se que a sociedade esteja muito mais aberta
do que no passado. Crítico da ordem, o ex-maçom britânico Martin Short
escreveu, no livro "Inside The Brotherhood", que a maçonaria passa
por essa transição. Segundo ele, o que
era uma sociedade secreta, hoje é uma sociedade discreta. Mas, em breve, o
autor acredita, a maçonaria será uma sociedade civil aberta.
(Terra)
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