Ele tinha
tudo para dar errado. Mas decidiu contrariar os paradigmas de um garoto pobre,
negro e criado em meio à violência, drogas e alcoolismo. Cícero Pereira Batista
tem 33 anos que podem ser triplicados pelas experiências que viveu. Após tirar
literalmente do lixo sua esperança de uma vida melhor, hoje comemora a
conquista do diploma de médico conquistado graças à obstinação, como ele mesmo
define. Foi na quadra 20 da QNL, mais conhecida como Chaparral e pelos altos
índices de violência, que o então menino Cícero cresceu. Na época, ainda era
chamado de Juca pelos sete dos 20 irmãos que conseguiram sobreviver à pobreza. Quando
tinha apenas três anos, o pai morreu e o futuro que já seria difícil se tornou
pior. A mãe de Cícero encontrou no álcool a fuga para as mazelas da periferia
que tomaram conta de sua casa. O irmão mais velho passou a traficar e usar
drogas. Momentos que marcaram a mente de Juca. No meio dos restos, Cícero
encontrava livros e discos de vinl velhos. Os livros passaram a ser o refúgio
de tanta desgraça. Os vinis, a trilha de uma trajetória que ele jamais
imaginava percorrer. A irmã de Cícero o matriculou na escola pública
próxima a sua casa. Só conseguiu chegar ao ensino técnico graças à ajuda de
professores e amigos. Decidiu fazer o curso de técnico em enfermagem que passou
em segundo lugar na seleção feita pelo Cespe, banca que integra a UnB
(Universidade de Brasília). Ao concluir o curso logo veio a primeira
vitória. Foi aprovado no concurso da Secretaria de Saúde para técnico em
enfermagem e passou a trabalhar no HRT (Hospital Regional de Taguatinga). Mas
ainda era pouco para quem estava acostumado com tanta dificuldade. Então ele
buscou o que já procurava desde a infância. Passou para o vestibular de
medicina em uma faculdade particular de Araguari. Cícero estudava de segunda a
sexta-feira e aos fins de semana tirava plantão de 40 horas no HRT. Não tinha
outro jeito. Acabava perdendo as aulas da manhã de segunda, mas tinha a ajuda
dos professores. O salário que recebia ia todo para o pagamento da mensalidade.
Sobrevivia de doação e da própria determinação. Como a rotina estava muito
difícil, Cícero decidiu fazer o Enem e tirou nota suficiente para lhe garantir
uma bolsa de estudos em uma faculdade particular do DF. Passou a estudar
medicina no Gama onde enfrentou o preconceito racial e a rotina de estudos. Mas
para quem trazia cicatrizes da infância, ser vítima de preconceito era apenas
mais uma etapa a ser vencida.
(R7)