Podemos entender que "ser menos" está em nos deixarmos determinar pelo entendimento alheio ao invés de construirmos nosso próprio entendimento. Só assim seremos "mais"; seremos esclarecidos. A palavra esclarecer nos remete à noção de estarmos sob a luz, de estarmos claros, límpidos, cristalinos.
Esclarecido é aquele que enxerga cada vez mais porque removeu as coisas que proporcionam sombras, que embotam a visão. Nossos condicionamentos, as circunstâncias repletas de meias-verdades e coisas aparentes que escondem intenções escusas de outrem funcionam como sombras: esses entraves a uma visão que podem ser mais longínquos, alcançáveis de horizontes mais amplos.
Isso não significa que ser assim garanta por si só alcançarmos uma suposta verdade além dessas e de outras sombras, mas tão somente nos exorta a não nos seduzirmos pelo que nos desviaria da realização de nossos desejos. Só conseguiremos fazer o que queremos quando enxergamos o caminho sem ilusões que nos cegam e nos desviem do que nos realizaria. Pode até ser que não existam caminhos sem ilusões: o esclarecido perceberá que é mais útil e prático, se for assim, escolher então as ilusões que propiciem atingir o que queremos.
A preguiça e a covardia então, são as causas de nosso obscurantismo. O contrário de esclarecido é obscuro; aquele que elege tutores para determinar o que eles são. Continuamos menores cada vez que jogamos nossa responsabilidade nas costas de outrem ou nas circunstâncias. Elegemos ideologias, religiões, pessoas, gurus, políticos, professores, cientistas, ou mesmo as próprias contingências e circunstâncias e seu imediatismo como tutores de nossa consciência.
Marx chamou isso de alienação. Alienamos nossa consciência, viramos cascas autômatas que se movem sozinhas por inércia. Vivemos sob a tutela daquilo pelo qual alienamos nossa capacidade de pensar, sentir, agir. Doamos nossa consciência a um corpo ideológico que pensa por nós e nos toma como cascas para atingir seus objetivos por nosso intermédio. Não nos responsabilizamos. Apenas acatamos, pois não temos como pensar sozinhos mais, já que alienamos essa capacidade.
Responsabilizar-se por si próprio significa não ter a quem culpar pelos seus fracassos. Abrir mão do conforto psicológico de saber-se irresponsáveis pelos acontecimentos nos proporciona a paz de aceitar as circunstâncias e nos submetermos a ela sem revolta ou conflitos. Esclarecido é aquele que consegue ser construtor de sua própria história, tendo ao menos consciência do que necessita abrir mão e oferecer como tutela a alguém.
Libertar-se, emancipar-se, é reunir as condições de possibilidade de construção de uma autonomia necessária para ser, ter coragem e disposição para varrer de nosso espírito a covardia e a preguiça que Kant coloca como causa do obscurantismo. Só assim parece-me ser possível que venhamos a resgatar nossa consciência do alheio, nos desalienarmos para construirmos um futuro que realmente nos realize como seres humanos.
Atuar com consciência nas circunstâncias e não nos aceitarmos como irresponsáveis por nosso próprio destino, é conquistar a autonomia que nos liberta e nos esclarece.
Estaríamos preparados para isso?
0 comments:
Postar um comentário