Tinha ele 14 anos quando seu pai o chamou. Perguntou-lhe se queria estudar filosofia, medicina ou engenharia, já que filho bom era filho doutor. Mas a sua inspiração de ter um violão para se tornar sambista não o deixou em paz até que o menino decidiu queimar a língua do velho. Cinquenta e seis anos depois, a um dia de completar 70 - na segunda-feira, 12, Paulinho da Viola - já sem o pai craque no violão e ruim de previsão que só - é um rio de sensibilidades. Não deve comemorar longamente a data para não ser apunhalado por um passado do qual prefere manter distância. Seu último álbum de carreira é de 2003, tem quase 10 anos, e um novo nem começou a ser desenhado. Quatro músicas inéditas estão prontas para um disco que deve sair "lá pelo segundo semestre do ano que vem". Mas sua agenda reserva três datas de shows: a primeira dia 17 próximo no Parque Madureira, Rio; dia 28 no Carnegie Hall, em Londres, como parte do evento Voices From Latin America; e em 11 de dezembro, no Teatro Coliseo de Buenos Aires. Antes porém, Paulinho tira um dia para atender os jornalistas, espantar fantasmas e tentar entender questões que parecem estar sempre lá, no fundo da alma de um sambista.
Paulo Liebert/Estadão
Seus discos inéditos se tornaram raridade a partir de 1983
Dá para continuar sendo um garoto quando se chega aos 70 anos?
Quando vamos chegando a uma certa idade, e isso no meu caso não começou agora, olhamos para trás e começamos a rever as coisas. O chato é que nem sempre ficamos muito satisfeitos com aquilo que já vivemos, que já dissemos, que passamos. É por isso que não gosto de pensar sobre esse assunto. Quando somos novos não acreditamos no que os mais velhos nos falam, precisamos viver para saber como as coisas funcionam. Penso sobre isso hoje, perto de fazer 70 anos.
Isso, com aquilo que você sempre fala sobre não ser um nostálgico, parece fazer parte de um mecanismo de defesa acionado para evitar sofrimentos trazidos pela memória...
É possível que seja. Na verdade, vou te dizer uma coisa: eu sei muito pouco sobre mim mesmo, acho que as pessoas sabem muito mais sobre mim do que eu mesmo. Olha, nós sempre, e você tem razão, nos defendemos dos sentimentos. E olha que eu amadureci muito para compreender que a gente não pode fazer tudo aquilo que imaginava que poderia. O tempo é isso, diz pra gente: "Olha, aqui não deu, aqui você reagiu mal, aqui reagiu melhor".
Mas você não é o Paulinho da Viola? De quem se ouve os maiores elogios que um sambista pode receber?
Minhas falhas foram muitas, mais do que você imagina (risos). Vou falar só do meu trabalho: cometi coisas pretensiosas, equívocos, coisas que constatei depois. Por exemplo, às vezes eu lutava muito com relação à qualidade de som, contra a dificuldade que era para conseguir fazer chegar o som às pessoas em shows ao vivo. Tenho fotos tocando com apenas um microfone para a voz e o violão, imagina isso!
(Estadão)
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