Julio
Cortazar, em um de seus contos clássicos, conta a história da família em que
morreu um membro. A avó não podia saber. Esconde-se sua morte. É verdade que
ele é velado na sala da casa, enquanto alguém entretém a velhinha em outro
cômodo. Mas dali por diante, ele teria que ser incluído nas conversas, como se
estivesse vivo. Depois, morre mais um, e morre mais um. E todos recusam
continuar vivos nas conversas. Outro contista do fantástico
latino-americano, não me lembro se Gabriel Garcia Marques, conta a história da
moeda de ouro que caiu na porta de um bar. Como ninguém sabe quem perdeu a
moeda, e pode ser o coronel local, a moeda permanece no mesmo lugar por anos a
fio. Em alguns momentos, o Brasil lembra o realismo fantástico das
republiquetas latino-americanos. Tem-se um cadáver na sala de estar da
política: a declaração do doleiro Alberto Yousseff de que o senador Aécio Neves
recebia US$ 150 mil mensais de Furnas. O Procurador Geral da República
Rodrigo Janot fingiu que não ouviu. E esqueceu-se de que sua gaveta guarda um
inquérito de 2010 do MPF do Rio de Janeiro, sobre uma conta fantasma de Aécio
no paraíso fiscal de Liechenstein. A notícia foi para o mundo inteiro
através da Reuters Internacional. Notícia tão relevante que abriu a chamada das
Top News do dia. Foi manchete do Clarin – o mais antikirchenista dos grupos de
mídia argentinos. Por aqui, nenhum grande jornal julgou que seus
leitores mereciam saber do caso. Não saiu uma mísera linha sobre a delação.
Ontem, na sabatina de Janot no Senado, o assunto foi evitado em todas as
intervenções, dos senadores da oposição e da situação. O sentimento de corpo foi maior do que as disputas ideológicas. Ou, quem sabe, o medo de expor seus
próprios podres tenha sido a razão de preservar os podres do colega. Não
é pouca coisa. Trata-se do candidato derrotado nas últimas eleições que recebeu
quase 50% dos votos. É o nome favorito do PSDB para as próximas eleições.
Nos últimos meses, despontou como um carbonário, bradando em nome da ética e
vociferando a palavra “honra” com o fervor de um monge beneditino exposto a
alguma tentação demoníaca. Hoje em dia, em qualquer setor responsável –
no meio empresarial, intelectual, político nas próprias alas mais consequentes
do PSDB – forma-se a convicção sobre a imaturidade e irresponsabilidade de
Aécio. Onde se pretende chegar com essa blindagem, sonegando uma
informação crucial em um terreno de ampla abertura das informações? Mais do que
o fato em si, a blindagem viralizou – termo que se emprega quando algum tema
explode nas redes sociais.
(Luiz Nassif online)