É difícil estabelecer
com precisão as origens do "você sabe com quem está falando?" no
país, mas casos recentes mostram que a atitude de invocar a posição social para
impedir uma interpelação ou um questionamento é um traço vivíssimo na sociedade
brasileira. Da mulher que se ofendeu
durante uma fiscalização de rua no Rio, quando o marido
engenheiro civil foi tratado de "cidadão", até a humilhação de um guarda
municipal em Santos por um desembargador autuado pela falta
de máscara, a "carteirada" está sendo confrontada de alguma forma. O
registro dos episódios em vídeo expõe uma incômoda instituição nacional. Para o
antropólogo Roberto DaMatta, o principal acadêmico a esmiuçar o espírito do
"você sabe com quem está falando?", o hábito está relacionado a uma
questão de papéis sociais e seus limites. Afinal, na prática, as regras valem
igualmente para todos? "Tem tudo a ver com uma sociedade que jamais
discutiu privilégio e limite de privilégio. Privilégio é exatamente a liberdade
de poder fazer tudo", disse o autor de "Jeitinho brasileiro" e
"Carnavais, malandros e heróis". Outra referência na análise do
desenvolvimento e da formação brasileira, a historiadora Lilia Schwarcz diz que
o "você sabe com quem está falando" germinou num ambiente em que
historicamente poucos mandavam e muitos obedeciam. O sistema colonial e o
esquema de capitanias hereditárias, o regime escravocrata que perdurou por mais
tempo aqui do que em outros países, o coronelismo e o nepotismo político que
confunde as esferas do público e do privado deram condições para a carteirada
reinar.
21 julho 2020
Reginaldo Monteiro

Administrador do Blog

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