21 julho 2020

SÍNDROME DA AUTORIDADE: 'Você sabe com quem está falando?' e a cultura da carteirada


É difícil estabelecer com precisão as origens do "você sabe com quem está falando?" no país, mas casos recentes mostram que a atitude de invocar a posição social para impedir uma interpelação ou um questionamento é um traço vivíssimo na sociedade brasileira. Da mulher que se ofendeu durante uma fiscalização de rua no Rio, quando o marido engenheiro civil foi tratado de "cidadão", até a humilhação de um guarda municipal em Santos por um desembargador autuado pela falta de máscara, a "carteirada" está sendo confrontada de alguma forma. O registro dos episódios em vídeo expõe uma incômoda instituição nacional. Para o antropólogo Roberto DaMatta, o principal acadêmico a esmiuçar o espírito do "você sabe com quem está falando?", o hábito está relacionado a uma questão de papéis sociais e seus limites. Afinal, na prática, as regras valem igualmente para todos? "Tem tudo a ver com uma sociedade que jamais discutiu privilégio e limite de privilégio. Privilégio é exatamente a liberdade de poder fazer tudo", disse o autor de "Jeitinho brasileiro" e "Carnavais, malandros e heróis". Outra referência na análise do desenvolvimento e da formação brasileira, a historiadora Lilia Schwarcz diz que o "você sabe com quem está falando" germinou num ambiente em que historicamente poucos mandavam e muitos obedeciam. O sistema colonial e o esquema de capitanias hereditárias, o regime escravocrata que perdurou por mais tempo aqui do que em outros países, o coronelismo e o nepotismo político que confunde as esferas do público e do privado deram condições para a carteirada reinar.
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