23 setembro 2019

ÁGATHA, RAONI E MARIELLE: A realidade que ameaça abafar a voz de Bolsonaro na ONU


Não tragam discursos. Tragam planos. O recado foi passado pelo secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, aos chefes de estado e de governo que começam a desembarcar nesta segunda-feira em Nova York. O português sabe muito bem do que fala. Sua entidade vive provavelmente sua pior crise, em mais de 70 anos de história. E sua recuperação dependerá da vontade de líderes em trabalhar sobre planos concretos. E não mais um acúmulo de mentiras, declarações diplomáticas ou apertos de mãos. No fundo, quando Jair Bolsonaro abrir a Assembleia Geral da ONU nesta terça-feira, ele estará discursando para uma entidade decadente. O déficit em suas contas, o cinismo ecoado nos corredores, a manipulação de valores humanistas para que governos atinjam seus objetivos de poder, a tentativa de acobertar violações sexuais pelas tropas de paz e a incapacidade de manter a segurança no planeta são apenas extratos de um profundo mal-estar. Guterres sabe que o palco mundial está repleto de goteiras, fissuras e vive um clima de dúvidas sobre o futuro da entidade. Algo parecido ao que se viveu quando o mundo viu o fracasso do plano da Liga das Nações, há quase cem anos. Por isso, ele precisa de líderes que tragam para a mesa um plano sobre como trabalhar de forma conjunta em diversas áreas. De líderes que entendam que fortalecerão a soberania de seus países justamente ao admitir que, sozinhos, não serão capazes de dar respostas a desafios que não respeitam fronteiras soberanas. Certamente Bolsonaro recorrerá ao conceito ao tratar da Amazônia. Mas ele não estará sozinho nesta onda nacionalista, populista e míope. Outros usarão a mesma palavra para falar de seu direito de fechar suas fronteiras aos refugiados, para justificar o protecionismo comercial ou para rejeitar qualquer prestação de contas em relação às denúncias de execuções de opositores aos regimes. Talvez o presidente não saiba, mas ele desembarca em uma entidade que usou a imagem da “Mulher Maravilha” para promover o direito das mulheres e meninas pelo mundo. A fantasia, porém, não salvou Ágatha. Tampouco salvou Marielle Franco seus inúmeros alertas sobre os riscos que corriam os defensores de direitos humanos no Brasil. Bolsonaro, se quiser responder ao apelo internacional, terá de dizer o que o seu Governo fará de concreto para garantir a verdade sobre crimes, do presente e do passado. O que fará para ampliar as garantias democráticas e proteger inclusive seus opositores. Dizer que o Brasil está comprometido com os povos indígenas, sem dar provas, será ridicularizado diante das poucas palavras de Raoni, indicado para o prêmio Nobel da Paz e para o prêmio Sakharov.

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