Pertenço a um país onde a esperteza é moeda sempre valorizada, tanto ou
mais do que o dólar. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude
mais apreciada do que valores e respeito às pessoas. Pertenço a um país onde se frauda
a declaração de imposto de renda para não pagar ou pagar menos impostos, um
país onde a impontualidade é um hábito e onde não se valorizam o capital humano,
onde há pouco interesse pelo meio ambiente, onde as pessoas atiram lixo nas
ruas e depois reclamam.
Nossos congressistas trabalham no máximo três dias por semana para
aprovar projetos, alguns dos quais para afundar os que nada tem ou beneficiar uns poucos que já tem muito. Pertenço a um país onde documentos podem
ser comprados sem tanta dificuldade, onde uma pessoa de idade
avançada ou uma mulher com uma criança nos braços, ou ainda um inválido ficam
em pé no ônibus, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não
dar o lugar. Será que não basta?
Como "matéria prima” temos coisas boas, mas nos falta ainda muito
para sermos os homens e mulheres que nosso país precisa. Esses defeitos,
essa esperteza brasileira congênita, essa espécie de desonestidade em pequena
escala que depois cresce e evolui até converter-se em casos de escândalo, essa
falta de qualidade humana, tudo isso por vezes é desanimador.
Qual seria então a alternativa? Sempre vai fazer falta alguma coisa. E enquanto
essa alternativa, essa coisa que falta não comece a surgir de baixo para cima, de cima para
baixo, ou do centro para os lados, seguiremos igualmente estagnados, "esperando o trem que já vem" como diz a música do Chico Buarque.
É gostoso ser brasileiro. Mas quando essa brasilidade começa a ser um
empecilho às nossas possibilidades como nação, aí a
coisa muda. Não esperemos que apenas acender uma vela a todos os santos vai nos trazer
à realidade um Messias. Nós é que temos de mudar. Somos nós os que devem fazê-la com coragem, determinação e sem muita demora, para não nos arrependermos mais tarde por não tê-las feito.