Há dois anos a maior parte dos brasileiros nem sabia quem era Sergio
Moro. Hoje, as milhares de pessoas que têm saído às ruas para protestar
contra a corrupção e o governo se unem na grande admiração pelo juiz de Maringá
(PR), responsável pelas decisões da Operação Lava Jato na primeira instância.
"Somos todos Moro", dizem cartazes nas manifestações por todo o
país. Para uma grande parte da população, Moro, da 13ª Vara Federal do
Paraná, é um herói nacional. Já simpatizantes do governo o acusam de "agir
politicamente" e de inflar os ânimos da população de forma
"irresponsável", favorecendo um "golpe" ao revelar o
polêmico áudio de uma ligação entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e
a presidente Dilma Rousseff, exatamente no dia marcado para a posse do
ex-presidente como ministro-chefe da Casa Civil. Segundo investigadores da Lava
Jato, a ligação sugere que Lula foi nomeado ministro nesta quinta-feira (17)
para ter foro privilegiado e fugir do alcance de Moro. Dilma nega e acusa o
juiz de "afrontar direitos e garantias da Presidência". Para Moro,
"havia justa causa e autorização legal para a interceptação" e o caso
seria comparável ao do presidente americano Richard Nixon, que renunciou em
1974 acusado de obstrução da Justiça.
Muito antes da disputa
aberta com Dilma, Moro foi arrastado ao centro da crise política brasileira por
fazer na Lava Jato algo sem precedentes: investigar, prender e condenar um
grande número de empresários e políticos poderosos. Até o ano passado, por
exemplo, se alguém dissesse que o presidente da maior empreiteira do Brasil,
Marcelo Odebrecht, iria para a cadeia por corrupção, poucos acreditariam. "Moro
é parte de uma geração de juízes e promotores que se formou depois da ditadura
e que tem uma visão democrática e republicana bastante consolidada", opina
José Álvaro Moisés, diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da
USP. "Ele desafiou essa lógica até então consolidada no Brasil de que
quem tem recursos ou poder consegue escapar do alcance da lei." Há quem
tenha uma visão mais crítica – mesmo entre opositores do governo. Alguns
juristas, por exemplo, condenam algumas práticas do juiz na Lava Jato – como os
que vêem uso abusivo do mecanismo de prisões preventivas.
Mesmo a seção do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil soltou
nota de repúdio às escutas de Lula, na qual diz que o procedimento é
"típico de estados policiais". "É fundamental que o Poder
Judiciário, sobretudo no atual cenário de forte acirramento de ânimos, aja
estritamente de acordo com a Constituição e não se deixe contaminar por paixões
ideológicas", afirma o comunicado. Para Renato Perissinotto, cientista
político da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Moro parece ter um senso de
"missão" muito forte mas, no atual contexto, é natural que desenvolva
certa "vaidade", que queira fazer "história" – e isso
influencie seu trabalho. "Apesar de aparentemente ele não ser
partidário, sua atuação acaba tendo um caráter político",
diz. "Ao que tudo indica, essa operação (Lava Jato) vai pegar todo
mundo. Vai colocar em xeque o próprio sistema político, que sempre funcionou
com base em caixa 2. Mas o problema é que não sabemos o que vai surgir com o
colapso do sistema. Pode não ser algo melhor. Podemos ter a ascensão de um
líder radical. Enfim, tudo é possível." Tido como sério e reservado – mas
com um senso de humor refinado – Moro é filho de um professor de geografia e
cresceu em uma família de classe média de Maringá. Ele se formou em
Direito em 1995 na Universidade Estadual de Maringá. E em uma palestra para
estudantes, recentemente, confessou que até mais da metade do curso se
questionava se havia feito a escolha certa.
(IG)