05 março 2016

CRÔNICA: Um sábado de março

As estações se confundem. Dias de calor no inverno, primavera que se antecipa ou atrasa, outono sem convicção para derrubar as folhas. Nem o verão é mais tão soberano em sua plenitude. Quem gosta de tudo certinho, com início e fim, se incomoda com essa bagunça, inspiradora de um modo um tanto caótico de horários que não se respeita, sinais de trânsito desobedecidos, regras contestadas.

No entanto, essa inconstância da natureza tem um belo efeito visual: cada tipo de árvore reage com o tempo do seu próprio modo. Nascem flores em todo o ano, folhas caem sem atenção às estações. Hoje (sábado), eu olhava um conjunto de árvores, numa rua próxima, que se integraram como se decidissem que eram um quadro, natureza viva, mutante. Cada uma dançava sua própria coreografia, compunha um mesmo bailado com as outras, numa espécie de desnudar sensual e harmonioso.

Era simplesmente belo. Um espetáculo gratuito e perfeito, com a sensualidade de sua delicadeza feminina, fértil de curvas e cores. Um pensamento que não me deixava apenas com o olhar extasiado, no entanto, era saber que vivemos aqui, que poderíamos compartilhar toda essa beleza e transformar nossas vidas com um olhar-sentir mais presente, que passamos muitas vezes pelas árvores dançantes e simplesmente não as vemos. Mergulhamos nos tantos dramas de nossas vidas e não imaginamos como e o que perdemos com a ausência da poesia das estações, suas cores e sua harmoniosa confusão.
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