18 março 2016

A lei, ora a lei!

Trata-se de um imenso paradoxo o fato de que a direita e a esquerda, no Brasil, ainda que cada qual ao seu modo e por razões bastante diferentes, alimentam quase a mesma atitude em relação àquilo que, de uma ou de outra maneira, dá fundamento legal e jurídico à vida social e política: as leis. Por que será que é assim?

Os conservadores porque se apoiam sobre a velha crença de que as leis não são, no fundo, para valer (ou não deveriam ser), a não ser quando se trata de perseguir os seus inimigos. Afinal de contas, devidamente protegidos pela arrogância da sua força, não necessitam de nenhuma norma socialmente estabelecida para fazer valer os seus interesses.

Os progressistas porque incapazes, muitas vezes, de ver as leis senão como revestimento formal ("formalidades burguesas") de uma realidade de dominação cuja essência estaria no plano das estruturas materiais, e econômicas que, portanto, não cederiam nunca às regras socialmente sancionadas. 

Certamente, essas crenças têm algum fundamento na realidade. Os grandes interesses econômicos, nacionais e internacionais só fizeram se expandir, apesar da situação social da maioria da população.

Basta lembrar que, desde o final dos anos 70, a cada greve de trabalhadores, as próprias autoridades se apressaram em admitir que nem sempre o que é legítimo, entre nós, é legal. E muitos escândalos, apesar da denúncia da nação, ocorreram muitas vezes ao arrepio das leis estabelecidas. E quantos deles ficaram impunes...

No entanto, também é visível que sempre que um regime despótico se instalou ou desejou ampliar os seus poderes, começou por fazer mudar as leis do país. Cada governo autoritário, com ou sem tutela militar, apelou ou para a imposição pura e simples de novas leis, pela força, ou para o recurso dos famosos "casuísmos".

As leis, por si, podem não mudar a sociedade. Mas, quando elas são fruto de transformações ou de amplas mobilizações sociais que levam a sociedade a mudar, elas podem ser a base para que aquilo que é legítimo para muitos seja legal para todos.

Claro, garantir que uma legalidade se mantenha, atualizando o fundamento de uma legitimidade que se apóia sobre o conflito que existe na sociedade, é algo que depende da política, das forças sociais e das classes que se fazem sujeitos políticos.

Vamos deixar tudo isso como está, ou vamos começar a mudar essas coisas para que sejamos reconhecidos como país formal (embora não apenas), da afirmação de leis que nos reconheçam?


(Lua Nova: Revista de Cultura e Política)
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