Passado o tempo de eleição surge
o tempo de ação. O que se pode esperar dos governos e dos parlamentos em todos
os níveis da administração pública? E o que devem fazer os partidos políticos
como núcleos responsáveis pelo cumprimento da promessa constitucional de que
todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido?
O partido
político é uma associação duradoura de cidadãos para representar a coletividade
na direção dos assuntos públicos do país. A função representativa e a função de
titularidade não podem caminhar separadas. Somente com a primeira, não se
consegue o exercício do poder administrativo do Estado, que é a chave para
atender às demandas públicas. E, apenas com a segunda, o mandatário deixa de
representar efetivamente o cidadão para consumir-se no exercício fisiológico do
cargo. Em sua expressão democrática, o partido político deve ser um instrumento
efetivo e permanente da esperança popular, ou, em outras palavras: deve ser o
ponto de encontro entre o cidadão e a urna. Segundo a Constituição e a Lei n.º
9.096/95, ao partido político cabe assegurar, no interesse do regime
democrático, “a autenticidade do sistema representativo” e “defender os
direitos fundamentais definidos na Constituição Federal”.
Na
abertura de sua prestigiada História dos Partidos Políticos, Vamireh Chacon
refere a dois pensamentos que bem ilustram o assunto: “Os partidos políticos
não são meros grupos de interesse, fazendo petições em causa própria ao
governo; pelo contrário, para ganharem suficiente apoio, a fim de conquistar
cargos, os partidos precisam antecipar alguma concepção do bem comum” (John
Rawls); “É, com efeito, ilusão ou hipocrisia sustentar que a democracia é
possível sem partidos políticos... A democracia é, necessariamente e
inevitavelmente, um Estado de partidos” (Hans Kelsen).
Essas
reflexões resultam da orientação de recentes decisões do Supremo Tribunal
Federal estabelecendo que o mandato eletivo pertence ao partido político e não
pessoalmente ao candidato. Há um notável precedente relatado pelo ministro
Celso de Mello, do STF, declarando que o partido político detém “a titularidade
sobre as vagas conquistadas no processo eleitoral”. São suas estas palavras: “O
mandato representativo não constitui projeção de um direito pessoal
titularizado pelo parlamentar eleito, mas representa, ao contrário, expressão
que deriva da indispensável vinculação do candidato ao partido político, cuja
titularidade sobre as vagas conquistadas no processo eleitoral resulta de
‘fundamento constitucional autônomo’, identificável tanto no art. 14, §3.º,
inciso V (que define a filiação partidária como condição de elegibilidade)
quanto no art. 45, ‘caput’ (que consagra o ‘sistema proporcional’), da
Constituição da República”. (MS n.º 26.603/SP, DJ de 18.12.2008).
Já é
tempo de superar um dos piores malefícios da democracia representativa: o
leilão da sigla e o aluguel da consciência. Eles identificam os agentes de uma
imensa legião de usufrutuários do poder. Com toda a razão, já disse o escritor
e político Mariano José Pereira da Fonseca (1773-1848), o marquês de Maricá, em
uma de suas máximas: “há homens que são de todos os partidos, contanto que
lucrem alguma coisa em cada um deles”.
René Ariel Dotti, advogado,
foi presidente da Comissão Nacional de Defesa da República e da Democracia
(OAB).