19 abril 2014

O espetáculo da maldade

A virada do século 18 para o 19 na Europa marcou uma transmutação essencial na forma de lidar com o criminoso. Desapareceram os grandes e sangrentos espetáculos da punição física, que atraíam multidões ruidosas às praças; o corpo supliciado foi escondido; o castigo não mais previa a encenação da dor. “Penetramos na época da sobriedade punitiva”, descreveu o filósofo francês Michel Foucault na sua magistral obra “Vigiar e Punir”, de 1975. Uma pequena parte da Polícia Militar de São Paulo do século 21 parece estar seriamente empenhada em fazer a história retroagir. Agora publicado em forma de vídeo no Facebook, milhares de vezes compartilhado, recomendado, repudiado e comentado, volta o espetáculo de dor, sangue e agonia, encenado a céu aberto, sol alto, em rua de  grande movimento. Foi no último 8 de abril, uma terça-feira, dia de aula, ao lado da Escola Municipal de Ensino Fundamental Madre Maria Imilda do Santíssimo Sacramento, na Vila Curuçá, zona leste da capital. Depois de perseguição policial, três homens estão jogados na rua, rentes ao meio fio, buracos de bala espalhados pelo corpo. Um deles não para de gemer. Faz movimentos involuntários com as mãos. “Meus filhos”, consegue balbuciar. Os outros dois permanecem imóveis --um com os olhos vidrados voltados para o céu, o outro emborcado, como se olhasse através do chão. Uma imensa e grossa mancha de sangue cresce no asfalto. Ouve-se uma voz masculina: "Vai ficar famoso, ladrão, morrendo." E logo outra emenda: "Vai demorar aí, caralho? É pra morrer."
(R7)
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