A virada do
século 18 para o 19 na Europa marcou uma transmutação essencial na forma de
lidar com o criminoso. Desapareceram os grandes e sangrentos espetáculos da
punição física, que atraíam multidões ruidosas às praças; o corpo supliciado
foi escondido; o castigo não mais previa a encenação da dor. “Penetramos na
época da sobriedade punitiva”, descreveu o filósofo francês Michel Foucault na sua magistral obra “Vigiar e Punir”, de 1975. Uma pequena parte da Polícia Militar de São Paulo do século 21 parece
estar seriamente empenhada em fazer a história retroagir. Agora publicado em forma de vídeo no Facebook, milhares de vezes compartilhado, recomendado, repudiado e comentado,
volta o espetáculo de dor, sangue e agonia, encenado a céu aberto, sol alto, em
rua de grande movimento. Foi no último 8
de abril, uma terça-feira, dia de aula, ao lado da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Madre Maria Imilda do Santíssimo Sacramento, na Vila Curuçá, zona
leste da capital. Depois de perseguição policial, três homens estão jogados na
rua, rentes ao meio fio, buracos de bala espalhados pelo corpo. Um deles não para de gemer. Faz movimentos involuntários com as mãos.
“Meus filhos”, consegue balbuciar. Os outros dois permanecem imóveis --um com
os olhos vidrados voltados para o céu, o outro emborcado, como se olhasse
através do chão. Uma imensa e grossa mancha de sangue cresce no asfalto. Ouve-se uma voz masculina: "Vai ficar famoso, ladrão, morrendo."
E logo outra emenda: "Vai demorar aí, caralho? É pra morrer."
(R7)
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