Três facadas e cerca de 15 pontos no braço. Foi isto que uma balconista de 32 anos conseguiu após apurar a denúncia de um possível abuso sexual contra seu sobrinho. “Ele queria me matar. As facadas foram para acertar o peito e o pescoço, mas eu defendi”, relata a vítima. Esta foi apenas uma das cinco histórias de agressão a mulheres registradas nos últimos dois dias em Bauru (leia mais abaixo). O número de ocorrências converge com a realidade, uma vez que, de acordo com a Polícia Civil, só cresce a quantidade de inquéritos de violência contra a mulher.
A delegada Priscila Bianchini de Assunção Alferes, da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), afirma que, somente nos primeiros cinco meses deste ano, já foram instaurados 621 inquéritos – sem contar os quatros casos registrados no fim de semana. Este número já representa 61,5% do total de 2011, quando foram iniciados 1009 inquéritos.
E esta curva segue crescimento vertiginoso, segundo levantamento realizado pela DDM. De acordo com a delegada Priscila Alferes, em 2009, foram 235 inquéritos, sendo que, no ano seguinte, este número quase triplicou para 885.
As investigações envolvem inúmeras ocorrências de violência, como ameaça, injúria, vias de fato, lesão corporal, estupro, tentativa de homicídio e até o próprio assassinato. Mas os inquéritos representam apenas o ápice desta realidade. “Em muitos casos, a mulher não dá andamento ao processo pelos laços criados com o agressor”, complementa.
Esta desistência, porém, não funciona mais. Pelo menos para os casos de agressão, mesmo que leves, em ambientes domésticos. É que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro deste ano alterou a Lei Maria da Penha (11.340/2006), tornando este tipo de crime ação penal pública incondicionada, ou seja, o inquérito é instaurado mesmo sem a vítima querer dar continuidade ao caso.
“Acreditamos que vai aumentar o número de inquéritos neste segundo semestre. Muitas fazem o boletim de ocorrência (BO) só para assustar o companheiro e não representam mais. Agora, em casos de agressão, o inquérito vai ser instaurado, independente da vontade da vítima”, explica.
A nova decisão, porém, pode ter um efeito colateral. “Achamos que, quando todos souberem, menos denúncias chegarão. Só as que querem mesmo um resultado irão procurar a delegacia”.
Política pública
A Lei Maria da Penha garante uma série de proteções à vítima, como abrigo em um local secreto e o afastamento do suposto agressor a determinadas distâncias. Porém, a presidente do Conselho Municipal da Condição Feminina de Bauru (CMCF), Gisele Moretti, afirma que é preciso um protocolo preventivo para mudar esta realidade.
“E quando falo em protocolo, penso em uma rede integrada. Hoje, tudo é muito descentralizado. O certo seria tudo ter um começo, meio e fim. Ou seja, as ações precisariam ser mais rápidas integrando unidades como Pronto-Socorro (PS), Instituto Médico Legal (IML), DDM, entre outros”, afirma,
De acordo com ela, Bauru precisa intensificar as políticas públicas para o problema realmente mudar de figura. “É preciso um órgão central para emancipar a mulher. Esta mulher é, muitas vezes, dependente daquela pessoa que a agrediu. É preciso uma ação direcionada, talvez até uma Secretaria específica”, completa.
Até 30 denúncias por dia
A delegada Priscila Alferes, da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), afirma que há dias em que mais de 30 mulheres procuram a unidade especializada para fazer alguma queixa de violência. “A maior parte das denúncias são de ameaça, porém, há casos mais graves como as agressões e tentativas de homicídio”, conta.
Ela explica que o dia de maior procura é exatamente na segunda-feira. “Vai diminuindo durante a semana. Este número grande na segunda é justamente por conta do final de semana”, aponta a delegada.
Nova realidade
A delegada Priscila Bianchini de Assunção Alferes, da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), afirma que a lei e os procedimentos policiais estão se adequando a novos contextos que emergem na sociedade. Um deles é o relacionamento homoafetivo entre mulheres, que passou a ser contemplado pela Lei Maria da Penha. Desse modo, Alferes revela que já existem inquéritos deste tipo sendo apurados em Bauru.
“A Lei Maria da Penha ocorre quando a vítima mulher tem ‘qualquer relação íntima de afeto’ com quem supostamente a agrediu ou a ameaçou. Quando uma mulher tem um relacionamento com outra mulher e ocorre qualquer violência, a vítima está amparada na lei”, esclarece a delegada.
Um caso de violência registrado a cada 3 horas
Um caso a cada 3 horas. Esta foi a assustadora média registrada em Bauru no intervalo das 15h de domingo até as 7h30 de ontem. Foram cinco denúncias na Polícia Civil, que vão desde facadas até uma vítima atingida na cabeça por um rádio. Os casos aconteceram em regiões distintas de Bauru e os nomes dos envolvidos foram preservados por motivo de segurança.
A primeira denúncia ocorreu na tarde de domingo no Jardim Bela Vista, quando uma mulher de 56 anos teria sido agredida pelo companheiro com um cabo de vassoura, socos e chutes.
No segundo caso, que aconteceu no Jardim Solange por volta das 20h, uma balconista de 32 anos levou três facadas no braço direito. De acordo com o boletim de ocorrência (BO), ela foi encaminhada ao Pronto-Socorro Central (PSC) e relatou aos policiais que seu sobrinho de 14 anos a procurou para contar que seria vítima de assédio por parte de um vizinho da família.
O garoto mora com a tia e disse que seria constantemente convidado pelo vizinho a assistir filmes pornográficos. Convite este que, de acordo com o BO, nunca foi aceito. A mulher foi até a casa ao lado para apurar o fato. Entretanto, descontrolado, o homem teria se apoderado de uma faca e a atingido três vezes. Até o momento, ele não foi localizado.
O terceiro caso ocorreu no Jardim Redentor, onde uma mulher de 32 anos teria sido agredida pelo marido, que fugiu do local após a agressão. A vítima disse aos policiais que sofre ameaças de morte constantes e que o companheiro teria uma pistola escondida em casa. Após revista no imóvel, a Polícia Militar (PM) encontrou um simulacro de arma de fogo, que foi apreendido. No outro caso, ocorrido no Jardim Prudência, uma jovem de 20 anos caminhava na rua quando foi surpreendida pelo ex-companheiro com socos e chutes. Ela relatou aos policiais que não sabe o motivo da agressão.
Já a última ocorrência foi registrada na manhã de ontem na Pousada da Esperança 1. Uma dona de casa, de 43 anos, teria brigado com seu marido, quando ele arremessou um rádio contra sua cabeça. De acordo com o BO, a vítima teve lesões leves e foi socorrida pela Unidade Resgate (UR) do Corpo de Bombeiros.
Os casos foram encaminhados à Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), porém, somente chegaram no fim da tarde de ontem à unidade especializada. “Iremos apurar todos os casos. Um deles chama a atenção, pois envolve uma denúncia de abuso sexual a um adolescente também. Além de apurar a agressão, iremos investigar este possível abuso”, afirma a delegada Priscila Alferes.
(JCnet)
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