E
Bolsonaro estreou na ONU. Ao seu modo. Com as platitudes bizarras de sempre.
Lembrou o anedótico personagem da telenovela “O Bem Amado”, Odorico Paraguaçu,
que sonhava em falar de suas ideias ao mundo, entendendo a cidade fictícia de
Sucupira como o umbigo planetário. Chegou para a abertura da Assembleia-Geral
em Nova York, com a presença de 150 chefes de estado na plenária, se achando no
direito de cantar de galo perante os pares. Nada de tom conciliatório. Ao
contrário. Fez louvações à ditadura, disparou contra indígenas e defensores de
causas ambientais, atacou os parceiros europeus, chamou deus e o mundo de
colonizadores. Sobrou até para a ONU, acusada por ele de respaldar o “trabalho
escravo”. Queimadas e desmatamento? Não existem. Nem podia, não é? A negação de
evidências estatísticas é parte da tática de alienação da verdade e munição de
sua propaganda ideológica. Assim a floresta amazônica, nos termos que colocou,
está “praticamente intocada”. Absurda é a quantidade de terras sob usufruto dos
índios, embora tenham sido eles os primeiros a chegarem por ali. Conceitos
risíveis o chefe da Nação apresentou. Havia um fiapo de esperança de um
discurso restabelecendo o equilíbrio retórico. Expectativa logo afastada
nos primeiros minutos. Ele, em pessoa, está crente que abafou. Os inimigos
imaginários de seu cotidiano não foram esquecidos. Em uma espécie de resgate
dos tempos da Guerra Fria, Bolsonaro saiu atrás de “comunistas”, fez
ressuscitar o espectro do irrelevante Foro de São Paulo e de seus simpatizantes,
como se estivessem permanentemente à espreita. Falou a toda hora de perigos
iminentes e da “libertação” que promoveu. O Brasil, no seu entender, estava à
beira do socialismo – quem sabe confundiu o antecessor Temer com um Trotsky da
era moderna. Coisa dele. Para manter acesa a chama dos adoradores, o mandatário
entoa costumeiramente a cantilena dos “comunistas”. Algo assim cafona, em
desuso, mas que serve ao intuito da catequização. E dá certo para alguns.
Bolsonaro não falou para o mundo. Não falou para os brasileiros. Seu alvo era
tão somente a claque de convertidos. Deu recados domésticos à patota. E para
essa turma talvez encarne o papel de Macunaíma, o herói sem caráter do livro
escrito pelo polímata brasileiro Mário de Andrade. Falar grosso faz efeito
junto à tropa, levanta os brios dos brucutus, mas na prática da vida real trás
problemas concretos, típicos da antidiplomacia. Produtores do agronegócio,
operadores de mercado, investidores, dirigentes de multinacionais aqui
instaladas, muitos temem contabilizar prejuízos. Caberá ao Itamaraty reparar
eventuais estragos. Messias quis usar o púlpito da ONU como palanque. Montou
ali a sua tenda de milagres para propagar feitos que nem ao menos foram
realizados. O acordo do Mercosul com a União Europeia, por exemplo. Já deu como
certo, embora não recue um milímetro na estratégia de enxovalhar os
participantes do entendimento. Como irá conseguir? Se é que já não colocou as
negociações a perder. Membros das Nações Unidas, inúmeras autoridades
internacionais, os espectadores na sua maioria, classificaram a experiência do
que ouviram como “surreal”. Messias vive em um mundo particular ao lado do
séquito de seguidores, arrotando sandices. No conceito internacional, entrou
para aquela categoria de governantes patéticos, com patacoadas dignas dos
espetáculos circenses. Em muitos pode ter provocado o sentimento de vergonha
alheia. Ou existe alguém minimamente sensato que entenda tratamentos
desrespeitosos como o melhor caminho para a inserção global? A estratégia tomada
por Messias vai arrastando o Brasil para o isolamento externo. Que não se peçam
concessões aos interlocutores para o diálogo multilateral, dado o ambiente
conflagrado. No seu estilo servil aos americanos, o aprendiz de Trump, o
autocrata bananeiro, o propagador incorrigível de fake news, vai alimentando
repulsa, distanciando o Brasil da histórica relação de harmonia e neutralidade
que costurou por décadas com a comunidade internacional. Ao alterego Trump, o
ex-capitão Bolsonaro dispensa rapapés, adula como um sabujo na vã ilusão da
amizade de interesses. Chegou a dizer “eu te amo” para o colega e não levou nem
o esperado jantar a dois propalado por sua assessoria. Vai ser dominado e
engolido pelo americano. Pode apostar. No universo bolsonarista, nas rodas de
bajuladores e admiradores, tudo segue azul e cintilante. É o delírio coletivo.
Vigaristas e trouxas se mancomunaram para emular uma versão dos fatos que não
guarda qualquer relação com a realidade. Afinal, na tenda de milagres de
Messias cabe tudo.
(Por Carlos José Marques)
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