Apesar da indignação generalizada que a corrupção provoca, ela
mexe com desejos presentes em qualquer pessoa e é muito mais tolerada por nós
do que gostaríamos de imaginar, dizem especialistas em psicologia e psiquiatria
que estudam esse fenômeno social. "Todos nós tivemos de nos conformar
com o fato de que não podemos ter/ser tudo, mas a verdade é que esse desejo não
desaparece nunca", diz a psicanalista Marion Minerbo, da Sociedade
Brasileira de Psicanálise de São Paulo. "Se alguém, ou um grupo de pessoas,
sinaliza que você é melhor do que os outros, e portanto, tem mais direitos do
que os outros, o desejo que estava adormecido pode ser acordado." Há uma grande diferença entre saber intelectualmente que fez
algo errado, e sentir emocionalmente que fez algo errado. Uma
certa normalização da conduta corrupta também empurra esta vontade adiante.
Para Marion, isso acontece com a desqualificação da lei e a institucionalização
da corrupção como modo de vida. "O desejo de ser/ter tudo que foi acordado
pode ser satisfeito sem medo das consequências", diz. Já para o psiquiatra
Fernando Portela, da Associação Brasileira de Psiquiatria, esta aceitação da
corrupção como algo que não é problemático pode vir por meio da ação em grupo."Quando
esse indivíduo (corrupto) tem outros juntos com ele, e essas pessoas estão
compactuando entre si, a culpa que este tipo de atitude gera num indivíduo é
mitigada. Porque estão fazendo aqui, eu também posso. Então o indivíduo se
sente mais livre, à vontade", afirma.Quando
você se envolve com corrupção, você fala, 'isso é só como as coisas são'. Segundo
o psicólogo Dan Ariely, da Universidade Duke, autor de pesquisas sobre
desonestidade, a motivação para a corrupção vem da crença de que "todas as
outras pessoas estão sendo corruptas" e da aceitação deste comportamento
como "a forma como as coisas são feitas". "Se você for a um restaurante e sair sem pagar a conta,
você vai se sentir mal com isso. Mas quando você se envolve com corrupção, você
fala, 'isso é só como as coisas são'. A corrupção é muito corrosiva, muito
perigosa", diz. Mesmo em casos em que a pessoa corrupta é punida ou
exposta publicamente, não há garantia de que ela vá sentir qualquer
constrangimento. "Para alguém se constranger e se envergonhar, é preciso
que sinta que fez algo errado. Veja bem: há uma grande diferença entre saber
intelectualmente que fez algo errado, e sentir emocionalmente que fez algo
errado. As pessoas que não sentem que estão erradas simplesmente não se
constrangem. E quando se sentem vítimas de injustiça, sentem ódio, em vez
de vergonha", diz a psicanalista Marion Minerbo. Segundo Ariely, a
única forma de cortar a motivação para a corrupção é adotar uma mudança
coletiva.
(Bol)