Em São José do Cuiú-Cuiú, a 742 quilômetros de
Manaus, no Amazonas, não há médicos. Quem precisa de ajuda vai à casa da
curandeira Raimunda da Silva, 68 anos, filha de índios da etnia Miranha.
Doenças como malária, Chagas ou pneumonia, segundo ela, podem ser curadas com
suas preces. Sentada em uma cadeira na casa de cômodo único onde mora, Raimunda
diz que nunca imaginou que teria tais poderes, herdados do pai já falecido.
Magra, com os ossinhos próximos ao pescoço bem à mostra, ela conta que venceu
as dores crônicas na coluna com suas orações, mesmo após um médico dizer que
seu caso só poderia se resolver com cirurgia. Nos últimos cinco anos, a
curandeira já teria tratado de mais de mil doenças. “É
graças ao meu poder que muita gente não precisa ir para cidade procurar um
médico”, afirma Raimunda. Cuiú-Cuiú é apenas uma das cerca de 350 comunidades ribeirinhas do
Amazonas com pouco ou nenhum acesso a cuidados médicos. Segundo levantamento
feito pelo Projeto Povos Ribeirinhos, há 37 mil moradores vivendo isolados, à
beira dos rios que cortam o maior estado brasileiro em área territorial. No mês
passado, uma equipe do Globo visitou, a bordo de um navio da Marinha do Brasil
que presta atendimento médico e odontológico a essas pessoas, 17 comunidades no
estado do Amazonas para saber como é o cotidiano de moradores que vivem na
margem do rio e longe da civilização. Grande parte das comunidades ribeirinhas tem origem no ciclo da
borracha, no final do século XIX, quando cerca de meio milhão de pessoas, a
maioria nordestinos fugindo da seca, mudaram-se para a região Norte, para
trabalhar na extração do látex das seringueiras. A maioria preferiu a
proximidade com os rios para levantar palafitas. Mas o ciclo da borracha entrou
em decadência, e muitos deixaram a região. Alguns povoados cresceram e se
tornaram municípios. Outros, menores, não passaram de aldeias isoladas que
resistem até hoje, sempre à beira dos rios.
(O Globo)