Hoje foi um dia saudosista. De muitas lembranças. Algumas que doeram na pele, no espírito. O tempo passa e a gente que esteve ali, na luta, com os punhos erguidos tantas vezes, que queríamos ver a liberdade retornar com o canto dos pássaros, continuamos a sonhar. Quem disse que somos – ou fomos - a geração do silêncio? Muito pelo contrário. Berrávamos muito, mas do nosso jeito, de uma forma que nossos algozes não entendiam muito bem.
Falávamos e contávamos de flores, de amores, de sol, de terra, de mar... e as pessoas entendiam perfeitamente as nossas mensagens; o sol sair significava liberdade no horizonte, as flores significavam as pessoas maninhando na mesma direção, amores significavam a nossa capacidade e possibilidade de superar com os nossos sentimentos as dores das torturas, da terra porque era nela que precisávamos e pretendíamos pisar com segurança e sendo respeitados, de mar porque os horizontes não deveriam ter limites – éramos e somos cidadãos do mundo.
E olha que foram muitos mártires torturados, desaparecidos, mortos. “Suicidaram” quantos dos nossos? Centenas e centenas. Para cada um que tombava, dois ou três se auto-recrutavam para empunhar a bandeira. Ah! Como foi bom ver crescer e florescer a liberdade.
O fronte do qual participei era o da cultura, da música, da poesia, da arte. A gente compunha com lágrimas nos olhos, mas sorriamos quando as vozes todas concentradas nos pequenos ou grandes aglomerados se levantavam repetindo refrões e vibravam como águia no primeiro voo.
Era o período da mais sangrenta ditadura que tivemos. Alguns intitulam como o “período negro” da nossa história. Eu não! Me nego a isso e combato ainda hoje, porque ser negro está para além da questão apenas epitelial. A cruza de dobermann com dobermann não gera vira-latas. Se somos a imagem e semelhança de quem nos gera a todos, então nossas cores diferentes são para dar mais beleza à paisagem.
Fui rebuscar aquele tempo de aço no tempo fechado. Encontrei uma canção que interpreta com perfeição - talvez da forma mais objetiva e crua - a realidade da nossa geração. Sem mais comentários, quem curioso(a) estiver, que ouça o nosso grito de guerra.
Posso ser um péssimo escritor/redator, mas trago clara a memória do meu tempo... e compreensão deste tempo, no qual ainda sou capaz de ousar.
Reginaldo Monteiro
Pequena memória para um tempo sem memória (Gonzaguinha)
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