Estar mortalmente doente é não poder morrer”
(E. M. Cioran)
(E. M. Cioran)
O embate cresce na carne por dentro das unhas,
longe da filosofia. É claro que caímos de duras quedas, e os holofotes não são
mais os mesmos: desbotam a cor. A vontade de viver é diariamente compensada com
presságios de fim de mundo, de fim dos homens. Mas nós permaneceremos,
justamente porque foi dura a queda.
A conclusão
patética: compartilhamos diariamente nossos neurônios com a terra que, em
troca, não nos esclarece nada. Somos, em suma, desprezíveis, com a nossa
interioridade revoltada, com nossos órgãos expostos, com nosso aspecto amoroso.
Mas somente o que é desprezível pode ser santificado. E só um louco seria um
santo. Acreditamos em pragas irreversíveis, carregamos flores entre os dentes.
Estamos aqui, estamos em lugar nenhum. Somos o que é enquanto é apenas, e trata
de ser pouco.
E não teremos
empregos, ou teremos qualquer emprego: e não será por falta de habilidade
prática, bem mais será porque a ocupação profunda (e ao mesmo tempo intangível)
de nossos dias nada terá que ver com a progressão de um falso estado de
conforto de uma profissão decente, passível de carreira e méritos. E isso
poderia ser grandioso, talvez o seja para alguns ingênuos (e que sorte a
deles!). Mas para nós é a confirmação tácita de uma patologia corrosível, do
não-fazer devido à dúvida sobre a existência, quando giramos a seta das ações
para um questionamento diverso de tudo: estou fazendo isso para chegar aonde? E
o clichê do não-lugar se estabelece como um fardo, então nos escondemos em quartos
escuros e compensamos nossa terrível situação de demência motivacional com
divertimentos e rezas, e então nos tornamos bêbados ou santos, ou os dois.
Porque o que está oculto: é isso que nos amedronta, e quão
ridícula pode ser uma existência sem asas enormes, da qual não colhemos senão
as memórias sensíveis de fragmentos incoerentes, e não sabemos, a cada passo,
se devemos dar o próximo, porque os passos contradizem-se com seu próprio
mérito: não nos levam a lugar nenhum, e não seriam necessários, mas pensamos
nisso com asco. E como a completude ilimitada da infância se tornou uma caixa
de remorso dentro do esquecimento, atrasamos essa infância o quanto pudermos, e
nos tornamos infantes terríveis, que são os adultos de coração frágil
aprisionados no espanto, porque sabem que só há felicidade no espanto, e os
adultos auto-afirmados são pessoas que já não se espantam com nada.
Pensando em para frente e para trás, andamos milênios para os
lados. Pusemos abaixo os impérios e as crendices, e para o sangue gasto
inutilmente demos o nome de justiça. Duro é saber que a justiça real precede os
homens, que a um terremoto fulminante não se pode convencer com ideias. Pusemos
no chão as paredes mais sólidas, as paredes que nos impediam de pronunciar
nossos próprios nomes. Mas agora que temos nomes, não sabemos pronunciá-los.
(Trechos do escrito de Leonardo Marona)